sábado, 29 de março de 2025

Consignado para CLT - Alívio que pode custar caro

Por Jânsen Leiros Jr. 

Recente matéria de O Globo[1] revelou um dado impressionante: nos primeiros sete dias de operação, o novo crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada já movimentou R$ 1,28 bilhão, com mais de 193 mil contratos firmados e um valor médio de R$ 6.623,48 por trabalhador. Diante desses números expressivos, é inevitável perguntar: essa medida representa um verdadeiro alívio financeiro ou esconde armadilhas econômicas que só serão sentidas mais adiante?

Esse padrão não é novo. Em gestões populistas, é comum a adoção de soluções rápidas para problemas estruturais profundos, sem que as reais consequências sejam devidamente debatidas. No caso da antecipação do FGTS via crédito consignado, quem realmente sai ganhando? O trabalhador, que passa a pagar juros sobre um dinheiro que já é seu? Ou os bancos, financeiras e o próprio governo, que encontram nesse mecanismo uma nova forma de arrecadação e controle?

Os impactos dessa decisão vão muito além do indivíduo que saca o FGTS. Ela afeta toda a economia, gerando pressão inflacionária, elevando os juros e tornando o Fundo de Garantia não mais uma reserva para o trabalhador, mas uma moeda de troca para viabilizar crédito. Diante desse cenário, não podemos tratar essa liberação como uma simples benesse. Precisamos entender seus desdobramentos.

Ao longo desta série de posts, exploraremos as verdadeiras implicações dessa medida. E para começar, aqui estão os principais pontos que analisaremos:

1 - A antecipação do FGTS gera um risco para quem for dispensado antes da quitação do empréstimo

O FGTS sempre foi apresentado como uma reserva financeira do trabalhador, um amparo em momentos de instabilidade. Mas o que acontece quando essa reserva deixa de ser um direito garantido e passa a ser um crédito comprometido? Quem opta pelo saque-aniversário e antecipa valores precisa estar ciente de um detalhe crucial: em caso de demissão, perde o direito ao saque integral do saldo disponível. O que deveria ser uma rede de segurança se transforma em um risco ainda maior.

Imagine a seguinte situação: um trabalhador antecipa parte do FGTS para cobrir uma emergência ou aliviar o orçamento no curto prazo. Pouco tempo depois, ele é dispensado. Além do baque da demissão, descobre que não pode acessar o valor total do fundo e, pior, ainda precisa lidar com um empréstimo atrelado ao seu próprio dinheiro. Em um momento de vulnerabilidade, ele se vê sem reserva e, possivelmente, endividado.

Essa armadilha financeira não é um detalhe técnico irrelevante. Ela altera completamente a lógica do FGTS, que deixa de ser uma proteção e passa a ser um risco adicional para quem mais precisa de estabilidade em tempos de crise.

2 - O trabalhador paga juros por um dinheiro que é seu mesmo

Já imaginou ser cobrado para usar o próprio dinheiro? Parece absurdo, mas é exatamente isso que acontece com a antecipação do FGTS. O trabalhador, dono legítimo desse recurso, é levado a tomar um empréstimo sobre algo que já lhe pertence. E, como qualquer operação de crédito, essa “facilidade” tem um custo: juros, taxas e encargos financeiros.

Na prática, os bancos e financeiras transformam um direito do trabalhador em um produto lucrativo para o sistema financeiro. Ele pode até receber o dinheiro antecipadamente, mas a um preço que reduz o valor final que realmente irá usufruir. O que antes era um fundo de garantia se torna, ironicamente, uma fonte de endividamento.

Esse modelo inverte a lógica da poupança compulsória do FGTS. Em vez de funcionar como um colchão de segurança, ele vira um ativo negociável, beneficiando instituições financeiras enquanto o trabalhador paga a conta. No fim das contas, a pergunta inevitável é: se o dinheiro é seu, por que você precisa pagar para acessá-lo?

3 - O FGTS deixará de ser uma garantia para se tornar moeda de lastro para obtenção de crédito

O FGTS foi criado para ser um amparo ao trabalhador, uma reserva obrigatória para momentos de instabilidade, como demissões ou aposentadoria. Mas, com essa nova lógica, ele está deixando de ser um fundo de segurança para se tornar, na prática, um ativo financeiro a serviço do mercado de crédito.

Bancos e financeiras agora utilizam o saldo do FGTS como lastro para operações de empréstimo, ampliando suas margens de lucro às custas da reserva dos trabalhadores. Ou seja, o que deveria ser uma garantia contratempos difíceis passa a ser apenas mais um mecanismo de endividamento. O trabalhador, em vez de contar com um recurso protegido, vê seu dinheiro sendo transformado em um produto financeiro, sujeito a juros e intermediários.

Essa mudança estrutural enfraquece a função original do FGTS e reforça um modelo em que o trabalhador é sempre levado a consumir crédito, muitas vezes sem perceber o real impacto no seu futuro financeiro.

Não é a primeira vez que vemos recursos destinados à segurança financeira do trabalhador sendo transformados em instrumentos de mercado. Fundos de pensão, por exemplo, já foram usados como lastro para investimentos duvidosos, com consequências desastrosas para quem dependia deles. O desvio da finalidade original do FGTS segue essa mesma lógica, criando um novo precedente preocupante. Afinal, quando mecanismos de proteção começam a ser tratados como moeda de troca, quem realmente se beneficia?

4 - Quem ganha com essa operação senão bancos, financeiras e o governo?

A promessa de acesso facilitado ao FGTS pode parecer vantajosa à primeira vista, mas basta olhar mais de perto para perceber quem realmente sai ganhando. O trabalhador antecipa um dinheiro que já é seu, mas paga juros por isso, engordando os lucros dos bancos e das financeiras. Essas instituições, por sua vez, ampliam suas carteiras de crédito sem precisar assumir grandes riscos, já que a garantia de pagamento vem do próprio fundo.

Além disso, o governo se beneficia ao estimular o consumo imediato, criando uma sensação artificial de aquecimento econômico. O aumento da circulação de dinheiro no curto prazo pode até gerar algum fôlego momentâneo, mas, no longo prazo, os impactos tendem a ser negativos. No fim das contas, o trabalhador não só financia o sistema como ainda corre o risco de ficar mais vulnerável financeiramente, enquanto bancos e governo consolidam suas vantagens.

5 - Uma demanda artificial, alimentando a inflação

Ao liberar recursos como o FGTS sem considerar um aumento correspondente na capacidade produtiva da economia, cria-se uma demanda artificial. Este tipo de incentivo ao consumo, sem lastro real, pressiona os preços para cima, contribuindo diretamente para a inflação. O trabalhador pode até sentir o "alívio imediato" ao gastar com produtos e serviços, mas logo se verá impactado pela perda do poder de compra, já que os preços continuam a subir.

Como resultado, o Banco Central se vê obrigado a aumentar a taxa Selic para conter a inflação, o que, por sua vez, torna o crédito mais caro e cria um ciclo vicioso: a medida que deveria ser um "alívio" acaba gerando uma pressão econômica ainda maior. A economia, em vez de ser fortalecida, torna-se mais frágil, com o trabalhador pagando o preço da falta de estratégias sustentáveis e estruturais.

6 - O uso eleitoreiro da medida e suas consequências no tempo

m momentos próximos a períodos eleitorais, é comum vermos a adoção de medidas como a liberação do FGTS, que têm um apelo imediato junto à população. Essas medidas, muitas vezes, são vendidas como soluções rápidas para problemas de curto prazo, criando a ilusão de que o governo está "fazendo algo" para ajudar a população em momentos de dificuldades financeiras. No entanto, esse tipo de estratégia não é desinteressado. Ao contrário, ele visa claramente a conquista de apoio eleitoral, através de um benefício pontual que se revela, na maioria das vezes, superficial.

O problema com essa abordagem é que o impacto positivo inicial, o alívio momentâneo, se dissipa muito rapidamente. Após o consumo do recurso, a realidade econômica volta a ser a mesma, ou até pior, já que a medida, ao gerar mais inflação e pressão sobre os juros, acaba tornando a vida financeira dos trabalhadores mais difícil a longo prazo. Isso cria uma falsa sensação de melhoria, enquanto os danos estruturais, como o aumento da desigualdade e o enfraquecimento da estabilidade econômica, vão se acumulando, sem que os efeitos negativos sejam discutidos com a devida seriedade.

Além disso, a falta de planejamento e de medidas duradouras deixa a conta para os próximos governos, que serão os responsáveis por lidar com os efeitos dessa política populista. O "efeito eleitoral" gerado por essas ações pode até render votos momentâneos, mas deixa uma herança de instabilidade para o futuro, prejudicando a economia de maneira contínua. O trabalhador, que recebe esse "alívio", verá, mais cedo ou mais tarde, a verdadeira conta chegando, enquanto o governo se desliga das consequências estruturais de suas ações.

No longo prazo, essas medidas não só prejudicam a confiança do mercado e o crescimento econômico sustentável, mas também minam a capacidade do Estado de implementar políticas públicas mais eficazes e menos dependentes de soluções imediatistas. Por mais tentadora que seja a ideia de "resolver" a crise de imediato, o preço que pagamos é uma economia fragilizada, com desequilíbrios profundos que vão se estender por décadas.

Conclusão: O Custo da Aparente Solução

A tentação de sucumbir às soluções fáceis, àquelas que nos oferecem um alívio imediato, é grande. Mas devemos ser cautelosos. Este tipo de medida, aparentemente benéfica e generosa, esconde riscos que não são discutidos à luz do dia. Estamos diante de uma manobra disfarçada de "ajuda", que mais cedo ou mais tarde cobrará seu preço – não apenas de quem hoje vê um bônus no bolso, mas de toda a sociedade. O que é ofertado como uma solução momentânea é, na verdade, uma armadilha para os desavisados, uma cilada embalada em um discurso populista.

Deixe uma coisa clara: a discussão aqui não é sobre ideologia, mas sobre as consequências de escolhas mal feitas. Quando tomamos decisões baseadas apenas na aparência, corremos o risco de construir um futuro que, aos poucos, vai nos aprisionando, num ciclo vicioso de inflação, endividamento e desigualdade. E quem sai ganhando com isso? Bancos, financeiras e o governo que, por trás dessa cortina de fumaça, consegue garantir que sua máquina siga funcionando, enquanto o trabalhador se vê cada vez mais refém do sistema.

Nos próximos posts, vamos mergulhar profundamente em cada um desses pontos. Não vamos aceitar argumentos vazios ou superficiais. O momento exige uma análise honesta e corajosa. Este é um convite à reflexão – e, mais do que isso, ao questionamento. A única forma de sair da corda bamba dessa arma montada para os desavisados é entender, sem ilusões, as armadilhas que estão sendo armadas no caminho. Vamos seguir o debate, juntos. E, acima de tudo, vamos enxergar os riscos antes que o preço seja pago por todos.

 

quinta-feira, 13 de março de 2025

O Espectro da Conspiração e a Instrumentalização da Justiça

 

Por Jânsen Leiros Jr.

Na esteira de denúncias que têm sacudido o cenário político brasileiro, o Procurador da República apresentou uma acusação ousada: Jair Bolsonaro e mais 33 indivíduos estariam envolvidos em um suposto plano de golpe, que chegaria até a contemplar a intenção de assassinato – não apenas de Lula, mas também de Alexandre de Moraes. Essa denúncia, com sua carga de dramaticidade, insere-se num contexto de polarização extrema, onde as narrativas oficiais se confundem com interesses políticos e a linha entre defesa da ordem democrática e instrumentalização da Justiça se torna perigosamente tênue.

Ao desconstruir essa versão dos fatos, somos convidados a questionar o que, de fato, pode estar por trás de tais acusações. Inspirando-nos em pensadores como Michel Foucault, que explorou como o poder molda a produção do conhecimento, e Hannah Arendt, que alertou para os perigos do totalitarismo velado, percebemos que as “verdades” emanadas dos tribunais muitas vezes carregam em si elementos de uma narrativa construída para legitimar determinadas ações ou para marginalizar adversários. Nesse sentido, a denúncia não pode ser encarada de forma simplista: por um lado, se comprovadas, as evidências apontam para uma ameaça real à ordem democrática; por outro, há o risco iminente de que a própria denúncia seja utilizada como instrumento de politização da Justiça.

Especialistas divergem quanto às implicações desse processo. Alguns defendem que, caso os indícios se confirmem, a prisão de um ex-presidente – somada à aplicação de medidas de inelegibilidade, previstas na Lei da Ficha Limpa – representaria um divisor de águas no sistema político nacional, sinalizando uma resposta contundente a tentativas de subversão da ordem democrática. Outros, no entanto, alertam para o perigo de que tais investigações possam ser capturadas por interesses políticos, transformando o processo em uma ferramenta para silenciar opositores e aprofundar a polarização.

A complexidade do sistema judicial brasileiro, permeado por influências históricas e políticas, impõe um desafio singular: distinguir o que é evidência robusta de práticas autoritárias do que pode ser uma narrativa manipulada para fins de controle. Assim, as chances de que Jair Bolsonaro seja efetivamente preso e declarado inelegível dependerão não apenas da consistência das provas apresentadas, mas também da capacidade do sistema de resistir a pressões externas e de operar com a imparcialidade necessária.

Essa análise nos obriga a olhar além da superfície dos fatos, buscando compreender as intersecções entre poder, política e a construção das “verdades” oficiais. O debate que emerge dessas denúncias revela não apenas os riscos de um ambiente marcado por extremismos e interesses divergentes, mas também a urgência de fortalecer mecanismos que garantam a transparência e a justiça em um cenário onde a instrumentalização dos processos judiciais pode ser tão prejudicial quanto qualquer ato de subversão.

Em última análise, a discussão que se impõe é a de que, para que a democracia se mantenha sólida, é imprescindível que as investigações sejam conduzidas com rigor e autonomia. Somente assim será possível desvendar, com clareza, se por trás desse suposto plano há, de fato, uma trama concreta de golpe e violência, ou se estamos diante de uma manobra política que visa simplesmente reconfigurar os contornos do poder.